quinta-feira, dezembro 29, 2005

Leitura (II)

«Parece que o gosto pelos livros aumenta ao mesmo tempo que a inteligência, um pouco abaixo dela, mas no mesmo eixo, tal como a paixão é acompanhada por uma predilecção por tudo quanto rodeia o seu objecto, tem uma relação com este, na ausência continua a falar com ele. Por isso, os maiores escritores, nas horas em que não estão em comunicação directa com o pensamento, entretêm-se na companhia dos livros. E não terá sido sobretudo para eles, aliás, que foram escritos; não les desvendam eles inumeráveis belezas, que permanecem escondidas aos olhos do homem vulgar? (...) Na leitura, a amizade é subitamente reduzida à sua primeira pureza. Com os livros, não há amabilidade. Estes amigos, se passarmos o serão com eles, é porque realmente temos vontade disso. A eles, pelo menos, muitas vezes só os deixamos a contragosto. E quando os deixamos, não temos nenhum desses pensamentos que estragam a amizade:- Que terão eles pensado de nós?- Não tivemos falta de tacto?- Teremos agradado?- nem o medo de sermos esquecidos por um deles. Todas estas agitações da amizade expiram no limiar dessa amizade pura e calma que é a leitura.»

(Marcel Proust, O prazer da Leitura)

Leitura (I)

«Do que precisamos é de livros que nos atinjam como a desgraça mais dolorosa, como a morte de alguém que amávamos mais que a nós próprios, que nos façam sentir como se tivéssemos sido expulsos para o meio dos montes, longe de qualquer presença humana, como um suicídio. Um livro tem de ser a picareta para o mar gelado que há em nós. É isto que penso.»
(Franz Kafka)

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Silêncio/Inverno

«Longos dias sem luz, sem horizontes claros,
Tardes setentrionais dum silêncio sem fim...
E esses olhos do Sul a brilhar como faros,
Mas suspensos do azul, muito longe de mim!
....................................................................»

«E o meu navio avança, o pano todo ao vento,
Mas a Eterna Quimera, a distância, a iludir-me,
Murcha em meu coração como a flor dum momento,
Corre diante de mim como a Esp´rança a fugir-me!
................................................................................»

«Noite profunda, noite impossível!
O alvor da neve, cobrindo tudo,
Torna o silêncio quase visível...
O alvor da neve cobrindo tudo.
.................................................»
(António Feijó, Ilha dos Amores, Alma Triste, 1897)

Sem Estrela

«A morte ia comigo e eu, com ela
E vi o seu ridículo vestido
O andar desajeitado e sem sentido,
O rosto com penteado de donzela,

Sendo tão velha, velha, no ruído
De suas meias e sapatos de heras.
Então não resisti e me ri dela,
Caçoava de seus gestos confundidos.

E desta sisudez que nada espera,
Mas sabe que na vida um só gemido
Pode fazê-la emudecer. Insisto

Em rir de sua passagem sem estrela,
Sem grandeza nenhuma. E se resisto,
É porque está em mim quem vai vencê-la.»

(Carlos Nejar, Sonetos do Paiol ao Sul da Aurora, 1997)

Apenas Deus

A solidão é já uma velha companheira... O silêncio... Como evitá-los?... A diferença obriga-me a usá-los, já que os prefiro à incompreensão e à dureza dos corações... Não há ninguém no mundo que possa abraçar a minha alma... Apenas Deus...

Mimar Você

«Eu te quero só pra mim
Você mora em meu coração
Não me deixe só aqui
Esperando mais um verão
Te esperando meu bem
Pra gente se amar de novo
Mimar você
Nas quatro estações
Relembrar
O tempo que passamos juntos
Bem bom viver
Andar de mãos dadas
Na beira da praia
Por esse momento
Eu sempre esperei.»

(Caetano Veloso)

Quando você não está aqui

«Pra que dizer que a vida é mesmo assim?
Pra que negar que estou longe de mim?
Sonhando com você
Sonhando em te rever
Pra que?
Pra que buscar palavras na razão?
Me diz pra que, se gente é coração
Se insisto em te querer
E não sei te esquecer
Pra que?
Quando você não está aqui
É sempre noite sem luar e sem fim
Quando você não está aqui
Nem as estrelas vão brilhar pra mim
Pra que dizer que o sonho é uma ilusão?
Pra que buscar pra tudo explicação?
Quem ama é sonhador
E eu só tenho um amor, você...»

(Maria Bethania)

terça-feira, dezembro 27, 2005

Lobo Antunes

Li no Esplanar esta frase e achei-a tão absoluta na sua veracidade que tive que a colocar aqui também...
«Esquecer uma mulher inteligente custa um número incalculável de mulheres estúpidas»
(António Lobo Antunes)

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Para a minha Avó

Sempre te disse, Vóvó que escreveria um livro sobre a tua vida... Pensei apenas que o faria enquanto ainda estivesses ao meu lado, para me deliciares com todas as estórias que contavas... Sempre achei, Vóvó que o mundo merecia conhecer-te, escutar as tuas memórias, o encanto dos teus passos, desde que nasceste naquela terrinha em Sever (que ainda não conheci, mas prometo-te fazê-lo em breve), as intrigas que sofreu a tua mãe, pobre mulher assustada, sozinha com uma filha nos braços, a sua fuga para o Porto, temendo a família poderosa do homem que amava e o teu pai que a procurou ainda, sem a achar no Porto mas que acabou fazendo a vontade à família casando com uma fidalga... A tua vida de batalha e sacrifícios com a tua mãe... E o irmão abastado que acabou por tirar o curso que tanto sonharas...
E mais de mil aventuras e encruzilhadas e desencontros e desentendidos... E os teus seis filhos que te amaram até ao fim e os teus dez netos e a vida feliz, apesar das agruras, que tiveste... E o teu Senhor, a quem servias com fervor, que te veio buscar para os Seus braços, roubando-te de nós num momento em que não esperávamos... Minha querida Avó, a minha memória está povoada de espaços e cenários de infância onde tu estás sempre presente... Quanta paciência foi precisa, Vóvó? Foram quase duas décadas que passei na tua casa... A casa onde nunca mais entrei desde que o Avô faleceu e que sei que agora também não mais o farei... A casa da minha infância, onde eu brincava com as galinhas e os pintos que o avô criava... A casa onde ri, chorei, tropecei e estudei e brinquei, brinquei, brinquei... A casa das minhas memórias mais queridas... A tua casa minha Avózinha...
Jamais pensei que te tirassem tão cedo do meu espaço!...
Mas sei que te ausentas apenas por alguns instantes, um dia estarei aí também contigo... Ao pé do nosso Deus que ambas amávamos e desejávamos ver face a face... Tu já O vês, primeiro que eu, tu O vês...
Minha avó... Sei que dormes o sono dos justos...