Leitura (II)
«Parece que o gosto pelos livros aumenta ao mesmo tempo que a inteligência, um pouco abaixo dela, mas no mesmo eixo, tal como a paixão é acompanhada por uma predilecção por tudo quanto rodeia o seu objecto, tem uma relação com este, na ausência continua a falar com ele. Por isso, os maiores escritores, nas horas em que não estão em comunicação directa com o pensamento, entretêm-se na companhia dos livros. E não terá sido sobretudo para eles, aliás, que foram escritos; não les desvendam eles inumeráveis belezas, que permanecem escondidas aos olhos do homem vulgar? (...) Na leitura, a amizade é subitamente reduzida à sua primeira pureza. Com os livros, não há amabilidade. Estes amigos, se passarmos o serão com eles, é porque realmente temos vontade disso. A eles, pelo menos, muitas vezes só os deixamos a contragosto. E quando os deixamos, não temos nenhum desses pensamentos que estragam a amizade:- Que terão eles pensado de nós?- Não tivemos falta de tacto?- Teremos agradado?- nem o medo de sermos esquecidos por um deles. Todas estas agitações da amizade expiram no limiar dessa amizade pura e calma que é a leitura.»
(Marcel Proust, O prazer da Leitura)