Por vezes, quando o tempo me dá esse privilégio, penso na vida, nas gentes, nos caminhos que traçamos, nas muitas vidas em que tocamos... Penso nos afectos e demoro-me em ensaios de sentimentos presentes e passados... Penso nas palavras e nos comportamentos, no que dizemos e no que calamos, no que mostramos e no que escondemos... Penso na beleza e no horror... Penso no princípio e penso no fim... Penso nas teorias e exploro o pensamento... Exploro as sensações... E sinto-me e ao mundo todo e os sonhos cavalgam velozes e nada tenho para dar, porém gostaria de o dar...
Gosto de olhar pessoas... Gosto de as ver e sentir... Gosto de ler, ler pessoas, ler gestos, sorrisos, choros e palavras e gemidos... Gosto de me ausentar e tentar visualizar-me noutras peles. Sentir outras peles, outros pensamentos, outros corações e outras mentes... Seduz-me a diferença, seduz-me tudo que não faça parte de mim... Seduzem-me os sentimentos em si...
Gosto de olhar para os carros que conduzem ao meu lado e perscrutar-lhes o coração... Gosto de sorrir, de tocar as mãos, os braços... Gosto de falar, dizer bom dia ao cão, ao gato e ao pássaro que passou perto de mim, bom dia pelas ruas, aos conhecidos e desconhecidos e talvez por isso os dias sorriam para mim... E como gosto de sorrir, nunca sei parar de sorrir e ainda quando choro, há um sorriso que teima permanecer e é por isso que, às tantas, sou tão pervertidamente absurda...
Dizem-me doce, que espelho nos olhos uma ternura imensa... Devem ser os lábios e aquele sorriso imutável... Os meus olhos prendem-se às almas, perscruto-lhes as veias, tento alcançar-lhes o coração, pois tudo isso me seduz e sei que violo os limites, mas preciso sentir, preciso saber, dar a mão, preciso dar de mim... Violenta-me a dor, a carência que avisto nas gentes que passam e quero dar de mim, sempre o quis... Dar de mim, sem ter nada para dar, faminta mais do que todos, mas dar de mim até à exaustão do vazio que me fica por amar...